A Polêmica do Diferencial de Alíquota de ICMS em 2022
Enviado em 13.09.2022

A Polêmica do Diferencial de Alíquota de ICMS em 2022

Para aqueles menos familiarizados com o tema, é importante referir a existência de dois tipos diferentes de alíquotas de ICMS: (1º.) alíquotas internas […]

A Polêmica do Diferencial de Alíquota de ICMS em 2022

Para aqueles menos familiarizados com o tema, é importante referir a existência de dois tipos diferentes de alíquotas de ICMS: (1º.) alíquotas internas e (2º.) alíquotas interestaduais. A primeira incide quando, por exemplo, um equipamento é alienado e adquirido dentro de um mesmo estado. A segunda, por oposição, quando existem dois estados a sediar o alienante e o adquirente deste mesmo equipamento.

O Diferencial de Alíquota de ICMS (DIFAL), isto é, o imposto resultante da diferença entre a alíquota interna de um determinado estado (de origem) e a alíquota interestadual, que deve ser recolhido ao estado de destino, surge com a Emenda Constitucional n. 87, de 16/04/2015, que determinou a partilha do ICMS entre os estados envolvidos em operações e prestações de bens e serviços. Antes disso, o estado de origem do bem ou serviço ficava com todo o imposto para si, não importando qual fosse o estado destinatário da operação.

O Convênio Confaz ICMS 93, de 17/09/2015 (Convênio 93), tratou de regulamentar os procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidores finais não contribuintes do ICMS, localizados em outras unidades da federação.

Em decisão publicada em maio de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu1, em síntese, pela inconstitucionalidade do Convênio 93, devido a ausência de lei complementar que disciplinasse a matéria aprovada na citada Emenda Constitucional 87, com o que os estados destinatários dos bens e serviços passaram a estar impedidos de cobrar o DIFAL, a consumidores finais não contribuintes do ICMS.

A exemplo do que já fez com outras matérias, como a da seletividade e essencialidade do ICMS para telecomunicações, o STF modulou os efeitos da decisão, isto é, restringiu a sua aplicabilidade àqueles que já haviam ingressado com ações até 24/02/2021, ressalvando que a cobrança do DIFAL poderia ser mantida até 31/12/2021, data a partir da qual seria necessária lei complementar à Constituição, indispensável à constitucionalidade da cobrança.

Exatamente para isso, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 32/2021 foi proposto pelo Senado em 15/03/21, isto é, mesmo antes do trânsito em julgado da decisão referida acima, tendo sido aprovado e remetido à Câmara em agosto, de onde retornou com algumas mudanças e, em dezembro do ano passado, foi novamente aprovado pelo Senado e levado à sanção do Presidente da República2.

Essa agilidade legislativa é explicada pela capacidade de mobilização dos estados, mas não deixa de chamar a atenção. Considerando as proposições apresentadas entre 1990 e 2019, o tempo médio estimado de tramitação foi de 1.279 dias para projetos de emenda à Constituição e de 1.263 dias para projetos de lei e projetos de lei complementar à Constituição3, sendo que o PLP 32/2021 foi sancionado nove meses após a sua propositura, tornando-se a Lei Complementar n. 190, de 04/01/20224 (LC 190).

Suprida a inconstitucionalidade, resta analisar o momento em que os estados poderão voltar a cobrar o DIFAL e de quais consumidores finais, contribuintes ou não contribuintes do ICMS.

Em relação ao início da exação, a Constituição do Brasil, entre outros, abriga o Princípio da Anterioridade Tributária no que tange à cobrança de impostos, subdividido em duas vedações, quais sejam, a de serem cobrados tributos (i) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou e (ii) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei5.

No nosso entender, em que pese toda a agilidade do trâmite no Congresso Nacional, o fato de a sanção e a publicação da LC 190 ter se dado em 2022 retarda necessariamente a cobrança do DIFAL para 2023, justamente em função do Princípio da Anterioridade.

A posição dos estados, conforme noticiado, tem sido pela possibilidade imediata de cobrança, sob o suposto fundamento segundo o qual não houve a criação de um tributo, uma vez que ele já existia, apenas foi autorizado pela LC 190. “O diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz), André Horta, argumenta que as anterioridades nonagesimal e anual devem ser observadas quando há criação ou aumento de tributo. A seu ver, a nova lei não instituiu ou majorou um tributo, uma vez que a cobrança do DIFAL de ICMS era regulamentada pelo Convênio ICMS 93/2015.”6

O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) editou e fez publicar o Convênio 236 (27/12/2021)7, portanto ainda antes da publicação da LC 190, dispondo sobre os procedimentos a serem observados nas operações com incidência do DIFAL. Segundo entendimento do Comsefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do DF), os estados podem ter perdas em arrecadação da ordem de R$ 9,8 bilhões se o DIFAL não for recolhido ainda este ano8.

Em oposição, várias ações vem sendo propostas, algumas com algum êxito parcial, mas também há decisões contrárias a este entendimento, justamente na linha do que pensam os secretários de fazenda estaduais, calcadas, muitas vezes, em razões mais políticas de que jurídicas

E o assunto já voltou ao STF. São quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade, quais sejam, as ADIs 7075, 7066, 7070 e 7078. Em decisão monocrática9, embora se trate de análise preliminar, portanto ainda sujeita ao julgamento de mérito, o relator do processo, ao afastar as liminares pretendidas pelas partes (estados e contribuintes), chega a afirmar que, em momento algum, haveria agravamento da situação do contribuinte a exigir a garantia constitucional da anterioridade, exatamente pelo DIFAL já existir antes da Lei 190/2022, na linha do que pensam as secretarias de fazenda estaduais.

Por outro lado, a discussão não se resume à aplicabilidade da LC 190 e do Convênio 236, mas sim a quais consumidores estariam atingidos pelo DIFAL. Isso porque, tanto a decisão do STF, quanto a LC 190 e mesmo o novo Convênio, referem-se a consumidores finais não contribuinte do ICMS. “Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação…”10. Por oposição, não contribuinte é que aquela pessoa que está desobrigada de possuir uma inscrição estadual, por não contribuir para o ICMS, com algumas exceções11.

A polêmica, portanto, persiste. Na nossa opinião, somente os contribuintes que ajuizarem uma ação judicial poderão ser beneficiados dos efeitos jurídicos da futura decisão do STF, como já aconteceu em outros julgamentos do mesmo Tribunal em matérias tributárias. Em resumo, quem entrar com a ação terá mais benefícios do que aquele que não entrar. Dormientibus non succurrit ius, do latim, o Direito não protege os desidiosos ou, simplesmente, não socorre aos que dormem.

Não obstante, ainda do ponto de vista dos provedores regionais, a compra de bens para o ativo imobilizado comportará sempre um planejamento tributário específico, o qual, além do DIFAL, possa enfocar também o conjunto de fornecedores disponíveis em todos os estados, os custos dos fretes e a existência de eventuais regimes tributários especiais em cada unidade da federação.

Veja mais sobre: Aumento do Teto de Enquadramento do Simples Nacional

Autor: Marcio Rodrigues Graduado em direito pela UFRGS em 1988, com pós-graduação em Gestão de Negócios em Telecomunicações pela PUC-RS e MBA em Direito Econômico pela FGV/SP. Advogado inscrito na OAB/RS e na OAB/SP. Foi gerente jurídico da Brasil Telecom em SP e na Telebras, estatal na qual também ocupou a função de Diretor-Administrativo-Financeiro e de Relações com Investidores. Atualmente, é sócio-diretor da consultoria Futurion Análise Empresarial.

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