A possível restrição à competitividade nas licitações exclusivas
Enviado em 18.04.2024

A possível restrição à competitividade nas licitações exclusivas para microempresas e empresas de pequeno porte prestadoras dos serviços de telecomunicações e provedoras de internet

Como se tem ciência, a Lei Complementar n.º 123/2006 “estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas […]

Como se tem ciência, a Lei Complementar n.º 123/2006 “estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (art. 1º, caput).

Neste tratamento diferenciado está o direito “à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos”, previsto no inciso III do artigo 1º da lei em questão (Lei Complementar n.º 123/2006), cuja aplicação está igualmente espelhada por determinações expressas contidas na Lei n.º 8.666/1993 (art. 5º-A) e na Lei n.º 14.133/2021 (art. 4º), que regulamentam, atualmente, os procedimentos licitatórios e os contratos administrativos.

Sabe-se que a norma complementar em questão possui o intuito de promover o desenvolvimento econômico e social, ampliar a eficiência das políticas públicas e incentivar a inovação tecnológica. Para isso, o artigo 48 da Lei Complementar n.º 123/2006 estipula obrigação à Administração Pública:

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:

I – deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais)

Diante disso, apenas as pessoas jurídicas enquadradas como microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP), nos termos da legislação específica, poderão participar da disputa que envolva valor de contratação de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

Porém, percebe-se que, diferentemente do intuito do legislador (promoção do desenvolvimento econômico e social), esse tratamento diferenciado, em determinadas situações, por descuido da Administração, acaba por restringir a competitividade da licitação, principalmente nas licitações voltadas para serviços de telecomunicações e provimento de acesso à internet, cujo valor, muitas vezes, está abaixo do limite indicado na legislação vigente.

Isto porque a definição pela exclusividade da participação em licitação de microempresas e empresas de pequeno porte não pode se basear unicamente no valor da contratação, devendo o Ente Licitante atentar-se também às disposições do artigo 49 da Lei Complementar n.º 123/2006, que prevê a necessária existência de quantidade mínima de fornecedores qualificados sediados no local, podendo, ainda, se afastar tal privilégio caso a limitação não seja vantajosa ou represente prejuízo à Administração:

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:

II – não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos, enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local, ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;

III – o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto, ou complexo do objeto a ser contratado;

Portanto, antes de se limitar a participação na licitação a determinados grupos de empresas, é preciso que o Ente Licitante sempre avalie quais empresas atuam no mercado do objeto licitado e se as referidas empresas possuem a expertise exigida, especialmente em se tratando de serviços de telecomunicações e de provimento de acesso à internet, de natureza complexa.

A não observância dos supracitados fatores acaba limitando a participação no certame de diversas empresas, impossibilitando a busca pela proposta mais vantajosa para a Administração, haja vista a ausência de disputa quando do credenciamento de apenas uma ou duas empresas, por exemplo. Ademais, a adoção de tal prática pela Administração, sem a verificação ao previsto na própria Lei Complementar n.º 123/2006, em determinados casos também prejudica a economicidade, considerando a ocorrência de licitações frustradas, diante da ausência de empresas prestadoras dos serviços que se enquadrem como microempresas ou empresas de pequeno porte, sendo necessária a adequação e republicação do edital, agora expandido para ampla concorrência, gerando, fatalmente, custos ao erário.

Neste cenário, diante da limitação verificada nas licitações exclusivas para ME e EPP, as demais empresas, algumas até mesmo regionais, se veem impossibilitadas de participarem da licitação e fomentar o desenvolvimento local, dada a restrição da abrangência de interessados à contratação, em uma atividade de certo grau de complexidade e de extrema relevância para a estrutura administrativa, sendo necessário que a Administração sempre se atenha a entender as condições do mercado da localidade, no intuito de evitar a realização de licitações que se mostrem demasiadamente onerosas ao erário ou até frustradas.

Dr. Gustavo de Melo | Dra. Thays Pires Alves, Advogados e Consultores Jurídicos. Sócio | Advogada da Silva Vítor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados
gustavo@silvavitor.com.br | thays.pires@silvavitor.com.br

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