IPv4, um Recurso Muito Valioso
Enviado em 04.07.2023

IPv4, um Recurso Muito Valioso

Todos que têm algum envolvimento com o mercado de Internet sabem ou, pelo menos, já ouviram falar, do esgotamento do IPv4 e da […]

Todos que têm algum envolvimento com o mercado de Internet sabem ou, pelo menos, já ouviram falar, do esgotamento do IPv4 e da lenta implementação de seu “substituto”, o IPv6. Neste artigo, não vamos tratar de questões técnicas ou de migração de protocolos, mas, sim, de negócios.

Sim, negócios no mercado dos recursos de Internet do IPv4 – você sabia que existe um mercado de compra e venda de blocos de endereços IPv4 muito interessante? Esse mercado se originou das condições atuais de escassez e as regras que foram implementadas ao longo dos últimos anos entre os diferentes RIR (Regional Internet Registry), permitindo a transferência direta desses recursos entre as empresas.

Antes de seguirmos nesse assunto do mercado de IPv4, é preciso entender exatamente o que são os endereços IPv4 que estão de posse das empresas com ASN (Autonomous System Number). Os blocos de IPv4 foram assignados aos ASN conforme iam sendo solicitados ao longo dos anos, mas não são suas propriedades. Na realidade, os ASN têm apenas direitos de uso, ou seja, a empresa não é proprietária do recurso, mas tem o direito de usar aqueles recursos que lhe foram confiados.


Existem algumas regras muito importantes que podem fazer com que uma empresa perca o direito de uso dos IPv4 que detém. A principal causa é o aluguel de blocos de IPv4. Tal prática que é terminantemente proibida e, quando é detectada, o bloco fica sujeito a ser retomado pelo RIR. Outra causa para perda dos recursos é o não pagamento da anualidade pelo uso dos blocos assignados. Vale lembrar que não são direitos gratuitos, pagam-se valores substanciais todo ano, para continuar a ter o direito de uso desse IPv4.

A escassez atual desse recurso tem origem nas distribuições iniciais dos IPv4, que foram feitas com poucos critérios no início da Internet, quando algumas universidades norte-americanas e umas poucas empresas do Vale do Silício receberam blocos enormes de IPs sem uma real necessidade de uso. Isso ocorreu principalmente porque, naquela época, era relativamente simples obter blocos de endereços IPv4. Como pode ocorrer em qualquer empresa, os planos de expansão podem não ter ocorrido na velocidade que se esperava e, com isso, essas empresas acabaram com um estoque de IPv4 sem utilização direta ou sendo subutilizado.

Assim, com o passar do tempo, se criou uma situação de escassez de IPv4 para quem realmente precisava deles, enquanto algumas poucas empresas tinham recursos sobrando. Essa situação forçou a criação de um mercado de compra e venda de IPv4 que, no início, era irregular, mas, aos poucos, foi sendo oficializado e aceito por quase todos os RIRs. Atualmente, existem algumas regras bastante rígidas e precisas para se fazer essas negociações de IPv4 (é importante frisar que hoje se trata de uma operação legal e perfeitamente possível).

Esse tipo de negociação começou pela região da ARIN (American Registry for Internet Numbers), justamente devido à existência de empresas e entidades com imensas quantidades de endereços IPv4 em contraponto à carência das empresas que fornecem acesso à Internet. Com o passar do tempo e o esgotamento do IPv4 no restante do mundo, outros RIRs também passaram a adotar regras para a transferência direta de blocos de IPv4.

Existe um ponto interessante aqui. Os RIRs falam em transferência direta de blocos entre entidades, sem necessariamente considerar ou se preocupar se essa transferência foi uma doação espontânea ou uma troca comercial. Os RIRs não entram no mérito dessa negociação, uma vez que as preocupações se baseiam na entidade que receberá os IPv4, pois ela é quem precisa provar que realmente necessita desses IPv4.

Já a empresa que cede os IPv4 não precisa provar nada nesse sentido. No entanto, ficará proibida por um ano de receber novos IPv4 de qualquer outra entidade. Isso é feito para evitar que alguém crie um mercado atacadista de IPv4, e compre IPv4 para criar estoque e depois revender a quem precisar. Por esse tipo de restrição, o mercado de IPv4 acabou centrado num mecanismo de Brokers, no qual empresas intermediárias localizam quem tem IPv4 disponível e quem precisa comprar IPv4 para seu próprio uso.

Esse é um mercado internacional, mas também podem existir operações eventuais dentro de um mesmo país. Com exceção dos EUA, pouquíssimos países detêm blocos gigantes de IPv4 disponíveis, mas é bastante comum que uma empresa tenha mais blocos de IPv4 do que está efetivamente utilizando no momento ou no seu planejamento de curto prazo.

Existem basicamente dois tipos de transferências de blocos de IPv4. O primeiro é a transferência por fusão/incorporação de empresas ou compra de redes/carteiras de clientes. Essas transferências são relativamente fáceis de resolver, pois como os usuários foram transferidos junto com a fusão/incorporação, a prova de que continua existindo a necessidade desses recursos é muito fácil e quase automática. O segundo tipo é a transferência direta, feita entre entidades sem relação alguma (inclusive, podem ser até de países diferentes). Nesse tipo de transferência, a entidade que recebe os IPv4 tem que provar que realmente está precisando de mais IPv4 para atender sua base de clientes.

Como podemos imaginar, existem muitos cuidados necessários para fazer esse tipo de transação. A confiança e a transparência entre as partes é um fator fundamental. Por isso, é muito importante contar com um Broker reconhecido e que tenha relação de confiança entre as entidades. Infelizmente, já ocorreram casos de intermediários mal-intencionados e que causaram grandes prejuízos – por isso, operar com pessoas de confiança é um cuidado fundamental.

Essa operação de compra e venda de IPv4 tem fatores muito importantes, que precisamos levar em consideração. Primeiro, esse tipo de negócio não pode ser desfeito – assim que solicitar ao RIR para transferir determinados blocos de IPv4 de sua posse para outra entidade, não tem mais volta. A única possibilidade de seus IPs não serem transferidos é se o receptor dos IPs tiver um problema de documentação ou não conseguir provar que precisa dos IPs.

Portanto, para evitar que alguém seja lesado e não receba o valor combinado após entregar os IPv4, existe um mecanismo de depósito fiduciário, no qual o comprador tem que depositar o dinheiro antecipadamente e o vendedor apenas recebe esse valor quando os IPv4 mudam efetivamente de dono. Esse mecanismo protege ambos os lados da negociação, pois se houver falha na transferência, o dinheiro volta ao comprador.

Usar esse recurso, que é imprescindível para esse tipo de negociação, também precisa de alguns cuidados, pois como os valores são muito elevados, existem checagens para garantir que não está ocorrendo lavagem de dinheiro ou transferência ilegal de recursos. Por isso, a documentação deve ser rigorosamente examinada. Um Broker de confiança também pode ajudar para que a documentação esteja adequada e em conformidade.

No momento atual, existem inúmeras fusões e aquisições de provedores no Brasil, e muitos deles não estão valorizando adequadamente seus recursos de blocos IPv4 nessas negociações. Já houve casos de empresas pequenas nas quais só os recursos de IPv4 que elas tinham valiam quase tanto quanto toda a sua carteira de clientes.

Sim, os recursos de IPv4 tem um valor muito elevado. São comuns negociações de mais de 50 dólares por IP e, na média, ocorrem negociações entre 35 e 45 dólares, dependendo da negociação entre as partes e do tempo que se pode esperar por um preço melhor.

Esse é um mercado com cotações diárias, e previsivelmente com tempo de vida limitado. Esse mercado existe hoje e pode durar por mais alguns anos, mas, com certeza, perderá sua força quando o IPv6 se tornar o principal meio de comunicação na Internet. Atualmente, muitos serviços de games funcionam ainda exclusivamente em IPv4, e o interesse por esse recursos durará apenas enquanto ele for imprescindível.

Agora, faça suas contas: quantos IPv4 você tem hoje, e quantos efetivamente você precisa para atender seus clientes? Pode ser que tenha uma valiosa surpresa. Por outro lado, se hoje lhe faltam IPv4, também existe solução: basta procurar um Broker e comprar o que precisa.

Basílio Perez, Conselheiro de Administração da ABRINT, Presidente do LAC-ISP, membro do Comitê de Prestadoras de Pequeno Porte, Conselheiro Deliberativo do Atacado e Diretor de Operações em Provedor de Acesso à Internet.

Comentários