Os Cuidados Jurídicos na Distribuição dos Canais Digitais e o Cenário Regulatório Atual
Enviado em 01.03.2022

Os Cuidados Jurídicos na Distribuição dos Canais Digitais e o Cenário Regulatório Atual

No artigo da edição anterior, foi debatida a diferenciação técnica e jurídica dos Serviços de Acesso Condicionado (SEAC), em comparação com a distribuição […]

No artigo da edição anterior, foi debatida a diferenciação técnica e jurídica dos Serviços de Acesso Condicionado (SEAC), em comparação com a distribuição de conteúdo audiovisual na internet (OTT – SVA).

Neste artigo, por sua vez, demonstraremos que, muito além do enquadramento técnico ou jurídico dos serviços (SEAC x OTT), é fundamental assegurar a legalidade dos conteúdos distribuídos, com a correta formalização da relação entre Prestadora versus Programadoras de Conteúdo e Radiodifusoras.

De fato, sobre esta temática, cumpre inicialmente pontuar que o Regulamento do SEAC, aprovado pela Resolução ANATEL 581/2012, prevê o direito/dever de carregamento dos canais abertos analógicos, conforme Artigo a seguir:

Art. 52. A Prestadora, em sua Área de Prestação do Serviço, independentemente da tecnologia de distribuição empregada, deverá tornar disponíveis, sem quaisquer ônus ou custos adicionais para seus assinantes, em todos os planos de serviço ofertados, Canais de Programação de Distribuição Obrigatória para as seguintes destinações:

I – canais destinados à distribuição integral e simultânea, sem inserção de qualquer informação, do sinal aberto e não codificado, transmitido em tecnologia analógica pelas geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens, em qualquer faixa de radiofrequência, nos limites territoriais da área de cobertura da concessão;”

Desta maneira, se uma prestadora, autorizada à prestação do SEAC, deseja veicular a seus assinantes os canais abertos analógicos, no âmbito do SEAC, esta veiculação pode ser feita em decorrência do direito/dever de carregamento, independentemente de autorização específica das programadoras de conteúdo ou radiodifusoras.

Todavia, a mesma regra não se aplica à veiculação de canais abertos digitais, eis que a Regulamentação atual, ultrapassada, não se atualizou à evolução da tecnologia inerente aos canais (conteúdo audiovisual), e mantém o direito/dever de carregamento adstrito apenas aos canais abertos analógicos, muito em função da pressão ou influência das próprias programadoras de conteúdo ou radiodifusoras.

E desta maneira, ao veicular os canais digitais abertos, uma prestadora SEAC necessita obter autorização das programadoras de conteúdo ou radiodifusoras, nos termos do Artigo 95 da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), a saber:

Art. 95. Cabe às empresas de radiodifusão o direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmissão, fixação e reprodução de suas emissões, bem como a comunicação ao público, pela televisão, em locais de frequência coletiva, sem prejuízo dos direitos dos titulares de bens intelectuais incluídos na programação.

E o mesmo raciocínio se aplica à hipótese de uma prestadora pretender veicular canais digitais abertos através de uma plataforma de streaming (OTT – SVA). Tal como ocorre no âmbito do SEAC, é também necessária obter autorização das programadoras de conteúdo ou radiodifusoras para transmissão dos canais em plataforma de streaming (OTT – SVA).

E aí reside o primeiro grande problema: no tocante a veiculação de canais digitais abertos, no âmbito do SEAC, algumas programadoras de conteúdo ou radiodifusoras, para permitir tal veiculação, têm exigido contraprestação financeira. E pior, os valores cobrados das prestadoras de pequeno porte (PPPs) são extremamente superior àqueles cobrados das grandes operadoras, o que acaba onerando e até inviabilizando a atuação das prestadoras de pequeno porte (PPPs) neste serviço.

E vamos agora ao segundo grande problema: a veiculação dos canais digitais abertos, como OTT (SVA). Algumas programadoras de conteúdo ou radiodifusoras não estão permitindo a distribuição de seus conteúdos, sobretudo pelas prestadoras de pequeno porte (PPPs), no âmbito de plataformas de streaming (OTT – SVA), ou seja, acessível pelo cliente através de qualquer rede.

Neste ponto, algumas programadoras de conteúdo ou radiodifusoras estão privilegiando suas próprias plataformas de streaming (OTT), ainda mais após a ANATEL entender que a veiculação de canais lineares pode ser feita diretamente pelas programadoras de conteúdo, no âmbito dos serviços de valor adicionado (SVAs).

E para piorar ainda mais o cenário, ao mesmo tempo que algumas programadoras de conteúdo ou radiodifusoras negam às prestadoras a veiculação de seus canais digitais como OTT (SVA), visando privilegiar suas próprias plataformas de streaming, há programadoras que disponibilizam o acesso ao seu conteúdo aberto, gratuitamente, aos seus assinantes. Como concorrer em um cenário de gratuidade?

Desta maneira, o cenário regulatório atual em torno dos canais digitais é extremamente favorável às programadoras de conteúdo ou radiodifusoras, o que acaba dificultando e até mesmo inviabilizando, em alguns casos, a atuação das prestadoras de serviços de telecomunicações, sobretudo as prestadoras de pequeno porte (PPPs).

É fundamental um olhar mais democrático, por parte do Poder Público e dos Entes Reguladores, especialmente a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, de modo que seja possível que as prestadoras de telecomunicações e as programadoras de conteúdo possam coexistir no mercado, em uma justa e leal concorrência.

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