Franquia de dados e zero rating no Brasil e na Rússia - ISPBLOG
Enviado em 08.03.2017

Franquia de dados e zero rating no Brasil e na Rússia

Um comparativo de dois países que pertencem ao famoso grupo BRICS (Brasil, Russia, India, China e Africa do Sul) dos países emergentes.

Recentemente no Brasil, está havendo um embate entre o Governo, terceiro setor, academia e as empresas para resolver de forma mais equilibrada possível, os interesses multissetoriais. Em junho de 2016 a suspensão na franquia de dados com base na análise n.º 40/2016/SEI do Conselheiro da Anatel Otavio Rodrigues, determinou Consulta Pública e prévia com todos os setores. No início de agosto de 2016 estive visitando a Rússia com alguns provedores regionais brasileiros para entender o mercado de telecom, as tecnologias aplicadas, políticas de fomento, dentre outras questões daquele país. Mas antes de iniciar a comparação – ainda que breve – entre os dois países, vamos entender como está sendo debatido a questão de neutralidade e franquia de dados no Brasil.

Quanto a franquia de dados, no Governo do Brasil existem grupos de trabalhos compostos pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, Ministério da Justiça e Cidadania – MJC, e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC. Os estudos de Análise de Impactos Regulatórios – AIR, e considerando que é competência da União dispor sobre a organização dos serviços de telecomunicações, conforme artigo 21 da Constituição Federal, que o acesso à internet é essencial para a democracia brasileira nos termos da lei 12.965/2014 – Marco Civil da Internet (MCI), e a reavaliação da Resolução do Serviço de Comunicação Multimídia.

Considerando que atualmente não há base normativa que proíba a franquia de dados, o Governo deve pensar na equalização da velocidade ofertada versus o volume de dados, uma vez que não adianta o assinante obter alto volume contratado com baixas velocidades. Deve levar em conta as tecnologias distribuídas aos usuários, localização geográfica onde o serviço de conexão é ofertado, o tamanho do provedor e por fim um acompanhamento anual para acompanhar o equilíbrio financeiro das empresas com base no que for decidido.

Com relação ao zero rating, a disciplina do uso da internet tem como fundamento a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor, conforme artigo 2º do MCI. Já o artigo 9º ressalta a não-discriminação de pacote de dados. E que de alguma maneira os provedores de conteúdo através dos CDNs (content delivery network) já reduzem o tráfego, aumentam a performance, conseguindo diminuir o custo. Tanto nos PTTs (ponto de troca de tráfego), quanto internamente na infraestrutura dos provedores de maior volume. Mas já os menores, não conseguem chegar nem nos PTTs, nem possuem os pré-requisitos exigidos pelos provedores de conteúdo para colocar dentro do provedor. Discriminar pacotes implica ainda em ferir a neutralidade de rede e fomenta monopólio dos grandes grupos econômicos. Ao mesmo tempo, permite que a população de menor poder econômico possa ter acesso gratuito à rede, porém apenas em uma parte da internet, tornando uma rede murada e ainda com manipulação de consumo de conteúdo.

Da mesma forma, zero rating deve ser regulamentado apenas para serviços de emergência, serviços públicos, cultura, educação, direito a informação e liberdade de expressão por exemplo. Acesso a determinado conteúdo não é de graça e sim, alguma empresa está financiando este acesso por intermédio de patrocínio, entre negociações bilaterais com os provedores de aplicação, implicando em quebra de isonomia, desestímulo à inovação e à competição. Como por exemplo google, facebook, whatsapp, entre outros, que notoriamente possuem interesses econômicos nesta modalidade. No entanto, atualmente não há base jurídica concreta que proíba esta modalidade de negócio.

A restrição do acesso à internet, proposta pelas operadoras de serviço, prejudica a boa execução de políticas públicas de inclusão digital como os Telecentros e demais Centros Públicos de Acesso. Ao limitar o acesso a determinados sites, a prática de zero rating não apenas restringe o direito de livre acesso à informação e de expressão do cidadão na Internet, como também constrói verdadeiras barreiras sociais entre as nações, ferindo, assim, preceitos constitucionais e democráticos. As empresas de telecomunicação e a Anatel devem respeitar o MCI e obedecer os seus princípios constitucionais que regem a ordem econômica, que por um lado, preveem a livre iniciativa e que por outro a defesa do consumidor. Esta é uma legislação internacionalmente aplaudida. O acesso à Internet é um serviço essencial de interesse público. Assim, as empresas concessionárias são obrigadas a fornecer esses serviços de forma contínua, só podendo ser interrompidos por falta de pagamento, conforme previsão expressa no artigo 7º, inciso IV, do MCI. O regime de franquia dificulta a utilização de aplicações na Internet, sobretudo de serviços novos, como os provedores de televisão via streaming e serviços de voz sobre IP (VoIP). Por trás da questão referente ao estabelecimento do regime de franquias existe um interesse econômico do oligopólio das telecomunicações que têm seu serviços tradicionais prejudicados pela ascensão da convergência tecnológica. Por isso, é preciso estar atento para a prática de condutas ante competitivas, devido ao poder de mercado que as prestadoras detêm.

E por fim, o setor empresarial se coloca em prol do equilíbrio financeiro dos grupos econômicos. Considera que o acesso à Internet é Direito Humano e metade da população brasileira ainda não possui acesso à Internet em sua residência e a meta governamental é de levar a Internet para todos os municípios brasileiros. Que os modelos de franquia já empregados em telefonia móvel trouxeram resultados positivos para o aumento do índice de inclusão e de acesso à Internet, e o seu emprego na banda larga fixa pode representar uma via de igual potencial para a expansão da inclusão digital. Que a governança e uso da Internet deve promover a contínua evolução e ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso, como definido pelo CGI como um princípio básico da governança da Internet no Brasil. Que a previsão de crescimento da internet para o ano de 2019 será de 9 bilhões de linhas móveis no mundo e que o tráfego de dados na internet tende a centuplicar, acrescentando-se o cenário de desenvolvimento de novas tecnologias e serviços que demandarão atualização e investimento na infraestrutura de telecomunicações brasileira. A necessidade de contínuo investimento para melhoria e expansão da infraestrutura de telecomunicações que dão suporte às redes de provedores de conexão, especialmente em regiões onde ainda carecem de ofertas de acesso. Que outros provedores de acesso à internet em vários países já utilizam franquia de dados para Internet de banda larga fixa em diversos tipos de conexão, obtendo positivos resultados sociais e econômicos. E que ainda faltam estudos empíricos e dados suficientes sobre as externalidades econômicas e sociais existentes no estímulo e uso deste tipo de modelo de negócio no Brasil. E que considera a existência de regulação suficiente para o setor de telecomunicações no Brasil.

 

Mas e na Rússia como funciona?

Já na Rússia é uma outra realidade. Os problemas enfrentados por este país são distintos aos nossos. Primeiramente eles ainda não possuem um marco civil da internet. Diante disso, vamos explorar o mercado de lá, os entraves, as vantagens e os desafios.

Lá não há oferta com franquia de dados e muito menos zero rating. Possuem 30 milhões de acessos fixos, o 4º maior país atrás de China, Japão e Estados Unidos. No entanto, 31% entre 10 e 100 Mbps. 65% entre 1 e 10mbps e 3% abaixo de 1mbps. A principal operadora Rosktelecom, tem 37% do mercado. As 5 principais operadoras atendem 67% do mercado com uma média de $7 dólares por 10Mbps, telefone fixo e IPTV. No interior, na cidade de Veronej, ofertam GPON por $5 dólares por 100Mbps, ambos sem franquia de dados. O restante é atendido por provedores regionais. Os médios e pequenos operadores (2 mil assinantes em média), estão caindo porque estão se juntando, uma tendência nítida no Brasil.

No país há 10 mil licenças emitidas, mas operadores ativos são entre 2 e 3 mil. A grande Moscou e a grande São Petersburgo tem 15% da população. Outras 10 cidades com cerca de 1 milhão de habitantes. Dividem o mercado de três formas. Acima de 100 mil assinantes, de 10 a 100 mil assinantes e entre 1 mil e 10 mil assinantes.

A grande curiosidade é que lá na Rússia todas as informações passam pelo Governo, e portanto as pessoas não tem privacidade. Existem diversos processos judiciais relacionados a crimes digitais, tanto contra provedores de acesso, quanto para provedores de conteúdo.

Conversamos com a Associação Nacional de Redes Domésticas de Informação e Comunicação. Eles possuem 56 operadoras associadas. Existe há mais de 10 anos. Eles possuem associados pequenos, médios e grandes. A associação colabora com as empresas estatais de segurança. Sofrem alteração da legislação na área de telecomunicações, colaboram com setor agrícola, fazem apresentações nas conferências e ajudam a mídia. Colaboram com as operadoras quando vão discutir alguma causa na justiça. São experts em monopólio. Colaboram com o Ministério das Comunicações. Elaboram soluções alternativas para resolver na legislação. A canalização foi construída aproximadamente há 20 anos atrás. É da Rostelekom ou de outra operadora. Como é caro construir sua própria canalização, as operadoras alugam a canalização.

Na Rússia, a guarda de logs é de 2 anos. E agora estão prestes a aprovar uma lei, que vai obrigar as operadoras a arquivarem áudio, vídeo, e demais informações pelo prazo de 6 meses (hoje já fazem, mas sem respaldo legal). As empresas russas não podem comprar equipamentos americanos análogos aos russos. A Agência Federal anti monopólio multou o Google na ordem de 500 milhões de rublos ($7 milhões de dólares). A associação possui um regime de parceria com empresas estrangeiras.

Portanto, existe uma política restritiva, um tanto quanto autoritária, quando se fala em acesso pelo Governo, de todo conteúdo consumido pela população, o que coloca o Brasil à frente da Rússia.

Contudo, no que diz respeito a direitos fundamentais, como liberdade de expressão e proteção a privacidade, não há que se negar que a Rússia está à frente do Brasil no que tange à tecnologia, poder de mercado e fomento das atividades de telecomunicações.

 

Asshaias Felippe
Diretor Executivo da Solintel

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